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Arquivo mensal: julho 2016

O AGRONEGÓCIO NO BRASIL DE HOJE EM UMA VISÃO DE MARKETING INDUSTRIAL

 

INTRODUÇÃO

O desafio do Marketing Industrial no Agronegócio permanece. Com poucas exceções de iniciativas isoladas o estado de espírito da “commodity” ainda impera, e a repetição do termo no dia a dia mantem este estado impregnado e radicalizado (aqui no sentido de raízes profundas).

Todavia, a  aplicação da Nova Lei Florestal e as mudanças, geradas pelo efeito legal, vêm desenvolvendo de forma gradual novos cenários e contextos:

  1. A expansão de áreas plantadas no Brasil é estável e não maior do que 3,5 % ao ano, nos últimos 15 anos; mas na maior parte das culturas de grãos nossa produtividade, medida em toneladas por hectare, vem crescendo consistentemente, de acordo com dados da Conab, com  crescimento da produção de 7% ao ano,  em toneladas totais.  O crescimento da produtividade de produção agrícola de grãos na média dos mesmos 15 anos foi de 3,6 % ao ano.
  2. O crescimento da criação de gado de corte pelo método de confinamento tem sido acima de 15 a 20 % ao ano, o que indica que a utilização de áreas de pasto para crescimento de áreas plantadas com produtos agrícolas é uma real possibilidade. Com tudo isso a produção total de carne neste mesmo período cresceu na média 5,2 % ao ano atingindo mais de 25 milhões de toneladas em 2014.

Não é, portanto, exagero nenhum considerar que o agronegócio é o Brasil que dá certo! 

CONTEXTO, CENÁRIO E CONJUNTURA.

É certo, também, que considerando que vivemos uma crise econômica real desde 2013, ainda que tardiamente discutida somente a partir de outubro de 2014, o agronegócio nos últimos dois anos vem sofrendo com esta crise tanto quanto os setores industriais, serviços e outros de nossa economia. Porem, podemos estar certos de que não temos nenhuma causa de origem desta crise advinda do agronegócio.

Em recente artigo para o jornal Folha de São Paulo, o ex-ministro da agricultura, Roberto Rodrigues e atual coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, pontuou que ainda existem velhos gargalos que incomodam os empresários do agronegócio, problemas crônicos, necessidades de modernização e maior agressividade comercial no ambiente internacional, entre outros pontos. Mas o que merece reflexão maior foi entender que a competitividade no ambiente internacional passa por novos caminhos de avanços tecnológicos, para o quê o Brasil já vem acumulando experiência e conhecimentos significativos nas ultimas décadas.

Produtividade novamente é claramente colocada como fator chave como em qualquer segmento da economia que se analise.

Por isso chama a  atenção o fato de que o empresário agrícola que prefere plantar uma área menor, com a máxima tecnologia que seus recursos permitem (próprios e ou de terceiros), ao invés de  plantar a área normal com menor padrão tecnológico, ainda é tido  como um empresário ousado.

Ainda na visão conjuntural em foco estratégico, evitando falar das sérias e válidas questões de curto prazo, devemos considerar o agronegócio como importante elemento do equilíbrio das balanças comercial e de pagamentos do Brasil. O agronegócio que respondia por  36,8% das exportações brasileiras em 2005, representou até 43,0 % das nossas exportações em 2014 e pode alcançar mais de 45 % em 2015. De outro lado, nas importações, o agronegócio participa com pequenas variações em decimais no entorno de 7% nestes 10 anos da análise. Isso tem importância crescente a partir de 2013 quando tivemos o início do desbalanceamento das balanças comercial e de pagamentos. O Saldo de balança comercial do Agronegócio saltou de R$ 38 Bi, ao ano, em 2005 para mais de R$ 80 Bi, ao ano, a partir de 2012 enquanto o saldo total brasileiro despencou de R$ 44 Bi, ao ano, em 2005 para R$ -3 Bi em 2014. Por alto quer dizer que exportações de minérios e manufaturados, incluindo aviões e serviços teve uma queda maior que R$ 80 Bi ao ano, nestes 10 anos, além do aumento significativo de importação que praticamente dobrou depois de 2007.

Por outro lado, se sempre há correta preocupação com o balanço fiscal do Brasil, cujos reflexos no Tesouro Nacional e todos os financiamentos do crescimento econômico, bem como programas sociais e de distribuição de renda, dele dependentes, aqui o agronegócio também tem participação expressiva.

Há  muito que o Brasil não cria ou mantém subsídios diretos agrícolas, como alguns países europeus ainda o fazem. Por outro lado, sem um forte impulso de financiamentos com juros controlados próximos ao custo do capital internacional, nosso agronegócio não teria crescido como acima exposto, em processo claro de fomentos e suportes de financiamentos desde o início dos anos 90, quando efetivamente as coisas começaram a mudar no agronegócio brasileiro.

Para se ter uma ideia de valores envolvidos tomemos que o PIB do agronegócio é de 22,5% do PIB Nacional, portanto algo como US$ 340 bilhões por ano; recebe crédito subsidiado (juros abaixo de mercado) da ordem de R$ 190 bilhões para o plano safra de 2015/16 , gerando algo em torno de R$ 470 Bilhões de receita bruta. Tem ainda só no setor de equipamentos agrícolas, segundo a Abimaq, receita anual de aproximadamente R$ 10 bilhões cujos financiamentos contam com as linhas de Finame, PSI (programa de Sustentação do Investimento) e mais o Moderfrota que cobrem pelo menos 75% da receita total com juros abaixo da taxa de inflação projetada. Podemos incluir ainda tratores e caminhões que em 2015 apresentam resultados bem abaixo da média dos últimos 3 anos.

No agronegócio atual o ciclo financeiro e o resultado econômico têm se transformado em motores de sustentação do crescimento há pelo menos 2 décadas. Ouso dizer que  sem a progressão infinita dos financiamentos a juros subsidiados é muito difícil o negócio se manter, simplesmente porque o fluxo de caixa é assegurado pelo financiamento da safra seguinte em dívidas de 5 a 7 anos e no caso de ativos permanentes ainda com 2 a 3 anos de carência. Tem uma certa similaridade com o giro financeiro e resultado econômico da construção civil e financiamento de casa própria. 

O AGRONEGÓCIO É UMA COMPLEXA CADEIA DE VALOR

Falamos de cadeia de valor na linguagem do “business marketing” justamente porque os negócios gerem valor e riqueza. Na linguagem dos negócios convencionais chamaríamos de cadeia de suprimentos ou o famoso Supply Chain.

Agora nos termos econômicos e acadêmicos, também aceito no ambiente mais evoluído do Agronegócio, devemos registrar o termo Arranjo Produtivo, ou Arranjo Produtivo Local, como praticamente o mesmo conceito em léxico aceitável academicamente. 

arranjo produtivo local (APL) é um conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos de produção, interação, cooperação e aprendizagem.

Os arranjos geralmente incluem empresas – produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, etc., cooperativas, associações e representações – e demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento.

A articulação de empresas de todos os tamanhos em APLs e o aproveitamento das sinergias geradas por suas interações fortalecem suas chances de sobrevivência e crescimento, constituindo-se em importante fonte de vantagens competitivas duradouras.

A cadeia de valor no agronegócio, no meu entender tem início na propriedade da terra, rural, produtiva e agriculturável ou com potencial de produção agrícola, incluindo aqui o pasto e produção de gramíneas específicas para criação ou engorda de animais para produção de proteína.

Então vejamos como podemos destrinchar um pouco esta cadeia de valor que se expressa em diferentes arranjos produtivos de diferentes complexidades a depender do produto agrícola ou pecuário, escala de produção, nível de mecanização, industrialização ou não dos produtos até diferentes mercados consumidores de atacado ou varejo.

  1. A Terra é um ativo insubstituível no agronegócio, ainda que para pequenas produções, exceto quando alternativas do tipo hidropônicas possam ser consideradas.

Só como suporte para este ponto vale registrar que 57% dos imóveis rurais do Brasil representam 227 milhões de hectares cadastrados, distribuídos em todo o território nacional, em propriedades de todos os tamanhos possíveis.

Chamou a atenção que a adesão ao Cadastro Ambiental Rural, obrigatório desde a Lei Florestal vigente estar promulgada demonstra um desequilíbrio intrigante no resultado até o momento. As regiões do Brasil com maior adesão são Norte com 76,5% e Centro Oeste com 53,8%%. Sudeste tem 48,7% cadastrados, Nordeste só com 23 % e Sul ainda com somente 19,8%%.

O tamanho médio de propriedades rurais ao contrário cresce de pequena e média no sul do país para grande e enorme no Centro Oeste, no Norte e em parte do Nordeste. O Sudeste é muito semelhante ao Sul, mas no agronegócio da cana o tamanho fica  entre médio e grande.

Interessante notar que o total previsto é da ordem de quase 400 milhões de hectares de propriedades rurais cadastráveis e potencialmente produtoras. O governo pretende 100% das propriedades cadastradas até 2016.

  1. A partir da terra produtiva ou com potencial produtivo entrariam nesta cadeia de valor o preparo da terra para o uso destinado. Em pastagem extensiva o preparo usual sempre foi o desmatamento e plantio de sementes de gramíneas; porem para as culturas de produtos agrícolas da cadeia vegetal o preparo pode ser importante, exigindo investimentos razoáveis, com especialmente esforços de terraplanagem e preparo de talhões quando recomendado.
  1. Depois vem o tratamento da terra para receber fertilizantes e corretores de PH, entre outros. Neste momento considera-se, de primeira mão, eventual irrigação e sua tecnologia, infraestrutura elétrica e suprimento de água.
  1. A partir deste momento pode-se dizer que começa a produção, sempre com o primeiro plantio, que poderá se repetir sempre ou alternadamente com outros produtos. Os participantes da cadeia são fornecedores de máquinas, implementos, sementes, fertilizantes e outros insumos.

O processo repetitivo define novo momento da cadeia de valor quando os seus participantes atuam de forma sistemática, com método, mas com duas variáveis externas, acima do controle humano, ponto que merece a consideração especial, a saber:

O Tempo

O tempo, cronos, no agronegócio é uma das variáveis que o tornam tão diferente, tão atraente  para muitos, e tão peculiar na comparação com outros segmentos de negócios e segmentos econômicos. Existem períodos da produção do agronegócio que o homem não controla o tempo, o que exige o aprendizado da espera, e desta uma visão de vida, de negócio, que não pode se fixar no curto prazo.

Todos os modelos de gestão que importamos e utilizamos nos negócios no Brasil foram de certa forma muito influenciados pelas escolas de negócios do hemisfério norte, a ponto de hoje termos já crescentes movimentos de revisão destes conceitos que no uso mais comum seriam os modelos econômicos e financeiros influenciados pelas escolas de administração do hemisfério norte ocidental, dos mercados de ações, bolsas de mercadorias, mercados futuros, etc.

Talvez daqui venha o que considero o primeiro grande equívoco possível na condução do agronegócio nos últimos anos: deixar-se influenciar por estas escolas, deixar-se levar pelas pressões de curto prazo e de busca de resultados crescentes a qualquer custo e a qualquer preço, perdendo a referencia de prazo e tempo que o próprio tempo impõe no ciclo de plantio, cuidados de crescimento até a colheita. No mínimo este fato diminui a atenção para os fatores de criação e sustentação de valor pelo viés de atenção dada as variáveis puramente financeiras do mercado e suas especulações, para ganhos com estoques e previsões de demandas, comandados por investidores financeiros nas apostas dos preços de hoje e futuros de cada um dos produtos deste mercado.

O Clima, nas diferentes estações do ano.

O Clima é outra variável imponderável, ao menos com perfeição, apesar de avanços significativos em modelos matemáticos de previsão em climatologia e muito antes das especulações eventuais de impactos climáticos a partir de mudanças atmosféricas provocadas pelo desenvolvimento humano, industrial e urbano.

O Clima é fator de variação significativa no ciclo de construção do valor da cadeia, pois ele pode avançar ou retardar momentos de plantio, tempos de crescimento e momentos de colheita. Pode até encerrar prematuramente uma safra de cana em um ano mais chuvoso, por exemplo, afetando toda a produção de açúcar e álcool. Como o homem ainda não controla o clima nem em décadas , mas impacta e influencia o clima em séculos, esta variável afeta os movimentos da cadeia de valor também antecipando , postergando , aumentando ou diminuindo demandas de fertilizantes, defensivos e até a durabilidade e reposição de implementos e equipamentos.

Outro ponto importante ao analisar de forma ampla a cadeia de valor no agronegócio deve levar em conta o tamanho da propriedade rural e o produto escolhido pelo empresário. De forma geral e atual, pelos participantes deste mercado no mundo, tem-se considerado que a PME do agronegócio ficaria entre 1 e 50 hectares para a pequena e entre 51 e 150 hectares para a média. Esta seria uma primeira segmentação do agronegócio para efeito de análise estratégica, modelo de distribuição no Foco do Cliente, e construção de valor a cadeia e nos processos de produção e distribuição do produto agrícola ou pecuário. Aqui neste espaço temos produção de alimentos de subsistência até produção sofisticada de hortifrúti, flores, entre outros. Esta segmentação pode e deve sempre ser discutida, mas para demanda de sementes, fertilizantes e defensivos o canal de distribuição e os serviços prestados mudam totalmente de uma pequena propriedade para propriedades maiores. No tocante a maquinas, equipamentos e implementos a diferença é ainda maior, pois o porte do equipamento muda o nível de automação muda, a tecnologia muda, o tratamento de pré-venda é diferente, o canal muda e a Pré da próxima é muito diferente. Sem falar no que se chama de tratamento de frotista que no agronegócio já é uma realidade.

  1. Na repetição, a cadeia de valor acrescenta novos participantes que a estendem até o consumo final do produto processado ou in natura.

Neste ponto de aumento da complexidade do arranjo produtivo temos que produtos colhidos já são beneficiados, embalados e distribuídos ou vão integrar uma cadeia mais verticalizada que inclui a indústria.

Industrialização de produtos agrícolas é parte desta cadeia e por vezes acrescenta valor de forma significativa. Há exemplo maior do que exportar o grão da soja ou o farelo processado, ou mesmo a ração animal pronta para consumo? A cadeia mais visível e que frequenta a mídia nos últimos anos porque sofre de outros fatores externos – como controles de preços de produtos concorrentes – é o etanol a partir da cana de açúcar.

Mas inegavelmente as discussões e o conhecimento convencional nos empurram sempre para os produtos de grande escala que também em geral englobam as maiores propriedades de terras, os maiores capitais investidos, maior quantidade de dinheiro envolvido em contratos de arrendamento, os maiores recursos demandados. É neste segmento que o Brasil se posiciona como grande exportador, além de ser autossuficiente em quase todos os produtos que a sociedade demanda para sua alimentação.

Senão vejamos pela demanda e faturamento de agroquímicos (especialmente defensivos agrícolas) em bilhões de US Dólares para 2014: temos 6,8 para soja; 1,1 para o milho; 1,0 para a Cana; 0,9 para algodão; 0,3 para o trigo; 0,3 para o café ; 0,3 para pastagens; 0,3 para feijão e 1,2 para todas as demais culturas.

Em cada uma das culturas existe um arranjo produtivo com diferentes resultados de rentabilidade e lucratividade no final de cada período. Em cada um dos arranjos a complexidade avança no setor industrial com maior ou menor ênfase e com maior ou menor necessidade de investimentos em capital fixo.

É neste segmento de produção com escala, entretanto, que ocorrem as maiores inovações e desenvolvimentos em produtividade e ocorrem os maiores investimentos em pesquisa. Neste segmento é que a mecanização e automação são demandas permanentes e crescentes que mobilizam participantes da cadeia como equipamentos agrícolas, irrigação, silagem ou armazenagem, grandes produtores de fertilizantes e defensivos, e é neste segmento que a frota de veículos pesados cresce e se sustenta no segmento automotivo. Porem é neste segmento que as fragilidades do sistema logístico e de infraestrutura mais se evidenciam , seja pelo impacto nos custos , pelo impacto nos desperdícios, pelo impacto na rentabilidade final e nos incentivos ou desincentivos à criação de valor na cadeia.

 

Como complemento à discussão da cadeia de valor, neste artigo, convido aos leitores que busquem rever o artigo do colega Marcelo Martins do Nascimento, na RMI No 42 de 2008, que considero importante e atual para o mesmo tema, ainda que também as integrações de diferentes cadeias de valor permaneçam como desafio uma vez que se ocorrem, ainda são ínfimas as ocorrências.

Todo o aspecto citado de escala onde pode haver, e obviamente a necessidade de pequenos e médios empresários, do agronegócio, se colocarem em condições mínimas de igualdade na luta permanente com oligopólios fortes e na distribuição global de compradores que com base em bolsa de mercadoria de futuro ditam preços de compra, talvez demonstrando um caso interessante de oligopólio, ou o monopólio bilateral, cuja ocorrência tem inúmeros artigos publicados com ênfase na compra de frangos, suínos e bovinos, como também na soja para farelo, neste caso em escala mundial.

Neste ponto cabe ressaltar o papel das Cooperativas. As cooperativas foram internacionalmente no congresso de Praga em 1948 a partir de princípios chamados de Rochdale que datam do século 19.

Será considerada como cooperativa, seja qual for a constituição legal, toda a associação de pessoas que tenha por fim a melhoria econômica e social de seus membros pela exploração de uma empresa baseada na ajuda mínima e que observa os Princípios de Rochdale. São eles :adesão livre; administração democrática; retorno da proporção das compras; juro limitado ao capital; neutralidade política e religiosa; pagamento em dinheiro a vista e fomento da educação cooperativa

No Brasil hoje existem 1597 cooperativas agropecuárias que abrigam 1.105.956 cooperados e 164.320 trabalhadores. Estas organizações respondem por aproximadamente 48% da produção agropecuária do Brasil. 10% é a participação das cooperativas no PIB do agronegócio nacional. Exportam mais de US$ 5 bilhões ao ano para mais de 100 países. Elas recebem ao ano algo como R$ 6 bilhões em créditos por safra e ainda respondem por 21 % da capacidade de armazenagem no Brasil.

Só cooperativas e talvez mais uns 2 ou 3 grupos privados empresariais tem porte e força para competir com as grandes Trading Companies Internacionais que também participam destes arranjos produtivos, no Brasil , em geral na compra, armazenagem e distribuição global da produção, mas também em parte das relações de trocas que por vezes beiram ao escambo, quando no pagamento de insumos com produtos finais em sacas , bushels ou toneladas.

No que se aplica a avaliar a criação de valor na cadeia ou no arranjo produtivo que se reflitam em resultados econômicos mensuráveis, as cooperativas entram não só no poder de negociação para compras em pool de usuários como na venda em volumes, nos contratos de armazenagem que tornam o produtor agrícola menos frágil perante o poder de compra dos grandes atacadistas e traders. Entretanto é na verticalização ou ampliação da cadeia de valor com novos arranjos produtivos que as maiores e mais bem sucedidas cooperativas têm se destacado. Inclusive no fomento a P&D voltados à sua área de interesse com institutos próprios ou associados que também contribuem muito para avanços científicos e de produtividade no agronegócio do Brasil. Além, claro, das contribuições da EMBRAPA, Universidades e Institutos, específicos, como IAC Instituto Agronômico de Campinas, entre tantos.

Devemos citar alguns exemplos que confirmam as afirmações acima como, por exemplo, Coopersucar que hoje se apresenta até como forte player internacional na cadeia de açúcar alcançando o papel de Trader inclusive. Agrária no Paraná que tem crescido com forte verticalização industrial de produtos derivados de cevada e outros insumos para indústria de bebidas e alimentos, Cooxupé com grande especialização em café de alta qualidade da Alta Mogiana, ou a Cooperativa Agroindustrial Holambra de Paranapanema, SP.

AGRONEGÓCIO E EMPRESA VÁLIDA.

Um empreendimento no agronegócio, na sua tradição histórica, na visão bucólica do agricultor produzindo para subsistir, traz a imagem de um ser explorado pelo atacadista que detinha o capital em maior quantidade, ao qual faltam recursos tecnológicos ou financeiros para melhor enfrentar as intempéries de tempo e do clima, que por vezes os levavam (e para muitos pequenos ainda os levam) a perdas irrecuperáveis de uma ou mais safras.

Os tempos estão mudando e velozmente para o bem e para o mal. Os avanços na complexidade das cadeias de valor e nos negócios envolvendo agricultura e pecuária vêm trazendo desafios enormes para uma mudança cultural que não acompanha a velocidade dos meios de negócios e, portanto desafia o homem, o ser humano que opera o agronegócio, desde o operador do trator até o Diretor Presidente de uma empresa.

Note que demorou muito, mas hoje quase todos já entendem que uma fazenda que produza algo não é mais o sítio de um pequeno agricultor, mas uma empresa, com CNPJ. Quem fornece para uma fazenda ou quem compra desta fazenda em geral é outra empresa que também tem seu CNPJ.

Aqui sempre começou o meu ponto de maior incômodo. Se o Marketing Industrial é o Marketing entre CNPJs, por que a resistência inconsciente a admitir que Agronegócio seja também um negócio de Marketing Industrial?

Este dilema é antigo, mas acredito que o processo de sucessão e de renovação trouxe a modernização natural nas administrações de agronegócio que, mesmo quando permanecem como negócios familiares, têm acrescentado à discussão a contribuição importante e significativa das gerações que chegam, com a indispensável modernidade da evolução deliberada e do aperfeiçoamento teórico, certamente sem perder o contraponto da experiência e sabedoria das gerações antecessoras.

Se olharmos de perto o setor de Açúcar e Álcool e verificarmos que das mais de 500 Usinas que operavam há quase 10 anos atrás, em 2012 eram 455 instaladas e somente 388 operando e em 2015 pelo menos mais 40 delas paralisaram suas operações por total incapacidade de seguir adiante, seja por endividamento, falta de caixa e total falta de investimentos em expansão e manutenção em mais de uma década de suas vidas. No fundo vemos uma clara dificuldade de gestão de empresa ou pelo menos a tentativa de sobrevivência nos modelos de gestão originais desde sua fundação.

O mesmo processo já ocorreu na citricultura, na cultura do café, na produção do leite e assim por diante. Cada segmento de agro com suas peculiaridades, mas cada qual passando por suas crises, mudanças de modelos de gestão que levaram a mudanças significativas no próprio negócio, mudança de região de concentração, consolidação de produção ou transformação e assim por diante. Sem falar nas dezenas de empresas de produção de equipamentos e implementos agrícolas.

O Marketing Industrial no Brasil tem um modelo de gestão preferido que chamamos de Empresa Válida e que se expressa na nossa Constelação de Valor que fornece a imagem dos 8 grandes eixos que devem sustentar a gestão da empresa válida na Construção de Valor e prosperidade para seus Clientes, para ela própria e para seu entorno o que inclui todos os stakeholders e a sociedade como um todo .

E Valor é gerador de Riqueza – que é aquilo que pode ser de fato motor de crescimento da economia que uma vez distribuída, alcança o bem estar de todos, ou melhor,  cria oportunidade para prosperidade de todos.

Outros pilares do Marketing Industrial sustentam os relacionamentos interpessoais como forma de manter relacionamentos significativos e duradouros entre as partes, clientes e fornecedores.

A visão de valor sempre levantou fortes contradições nas relações entre pessoas e empresas cuja visão está por demais focadas em métricas e objetivos ou metas relacionadas ao que chamamos de  visão econômico-financeira.

No agronegócio a figura de cliente não está clara. Em certos elos da cadeia de valor por vezes a definição de cliente é quase impossível. Primeiro, porque na prática e no curto prazo às vezes quem paga a conta é o banco repassador do financiamento. Segundo porque em outros elos da cadeia o distribuidor ou concessionário ainda é entendido e tratado como cliente e não como verdadeiramente sócio no negócio.

As grandes ondas de concentração neste mercado amplo, em vários segmentos do arranjo produtivo, é outro fator crítico. Na concentração crescem o poder de oligopólios fortes que ditam condições onde os elos intermediários ficam frágeis e subservientes – enquanto a sobrevivência permite – e isso não gera prosperidade e, em geral, não gera satisfação de fato.

Esta concentração pode em regiões específicas começar pela histórica discussão de latifúndios, mas se expressa claramente nos elos da cadeia onde a produção de escala é capital intensiva, e requer volumes que a justifiquem e, portanto com poder de impor condições de preço e distribuição que levam o produtor agrícola à única de escolha de usar o mínimo, o maior para volume ou o ideal para produtividade. A própria escolha acima citada do agricultor ousado.

O lucro fica comprometido como resultado consequente do esforço de criar valor, quando a rentabilidade é controlada por fatores externos que superam a produtividade possível. Bons exemplos não faltam e o etanol já foi citado. Mas de princípio a decisão de produção e área plantada de cada safra é muito mais baseada no preço futuro da bolsa de Chicago ou preços mínimos de programas de alimentação do Governo do que propriamente pela utilidade no foco de um cliente. Depois da decisão, uma a mudança de cultura é custosa e exige investimento, exceto (como na safrinha do milho), nas rotações já comprovadas e historicamente boas para a saúde estável do solo e das próximas safras.

Creio que aqui temos mais um dilema que afeta a maior parte de todos os empresários e executivos do agronegócio, e arrisco a dizer que em toda a cadeia de valor: Quem é o Cliente, para que eu possa ajustar o meu foco ao foco dele?

O fato é que se tentarmos analisar cada eixo da constelação de valor frente às cadeias de valor e arranjos produtivos do agronegócio vamos enfrentar um desafio que por si só merece, ainda, uma pesquisa bem mais aprofundada entre conceitos vigentes e realidades específicas deste grande segmento da economia do Brasil. Esta pesquisa certamente nos fará encontrar novas perspectivas que exijam adaptações nos eixos que temos e quem sabe um novo eixo que componha de forma mais ampla e completa a Constelação de Valor do Agronegócio.

O simples fato de ampliar a leitura de nossos paradigmas atuais expandindo a cadeia do cliente para o reverso do fornecedor na cadeia da indústria de transformação já é um indicador forte dessa necessidade de construir uma Constelação focada no Agronegócio.

Exemplos de novas tendências de soluções que podem trazer mais valor ao negócio são inúmeras. Algumas ações isoladas de um grupo altamente capitalizado, não são socializáveis para o segmento, mas podem trazer benefícios para muitos, mesmo indiretamente. Ferrovia Norte Sul para escoamento de grãos pelo porto do Maranhão, transportes fluviais pelo Rio Madeira, expansão da fronteira agrícola no chamado MAPITOBA, financiamentos focados em irrigação e em silagem.

Esforços de descomoditização também são vários:

O café gourmet e o tratamento especial dado à espécie arábica de terras altas é um dos exemplos de sucesso em criar valor percebido, ainda que naturalmente por ser um produto Premium não se aplica a todas as classes econômicas da população, logo é um negocio de nicho.

Os produtos chamados orgânicos representam uma forte linha de diferenciação com apelos ligados a sustentabilidade ambiental e também o não uso de produtos agroquímicos tanto na fertilização da terra quanto no trato da cultura escolhida. Tem valor percebido e tem custo proporcional a baixa escala de produção, além de contar com menor solução logística e malha de distribuição, e com isso ainda é uma solução de nicho.

Algumas tendências que vão impactar os arranjos produtivos de grãos nos aspectos de produtividade e redução de desperdícios serão certamente o crescimento do uso de irrigação, aumento significativo na capacidade de armazenagem com silos nos pontos de produção, melhoria dos terminais portuários para produção e investimentos corretos nos modais de logística. Não dá para suportar muito mais tempo de perdas de até 20% no transporte rodoviário de 80% da produção da soja do MT e MS. Ao mesmo tempo o uso de caminhões como armazém de espera nos portos de exportação.

Pouquíssimos grupos privados conseguem investir em soluções próprias, nos modais logísticos para exportação e distribuição para isso redução das perdas e também de melhor controle de custo e preço junto as Tradings, mas já temos algumas exceções positivas no Brasil que ainda não formam tendência dado que são capital intensivas.. No entanto são soluções capitais intensivas para uma minoria dos players do agronegócio.

A verticalização na cadeia de valor ou arranjo produtivo seja para industrialização seja para incorporar as atividades logísticas, de distribuição em plano global e até a conversão deste sistema em uma Trading Company do grupo são soluções importantes como novos paradigmas mas longe de ser solução para o segmento de milhares de empresas em cada estágio desta cadeia.

Com todos estes complicadores, mas com as possibilidades do que ainda não foi explorado, ou seja, modelo de gestão melhor adaptado para cada elo da cadeia de valor, maior integração entre os elos e a perspectiva de diferenciadores que mesmo difíceis de copiar possam ser socializados entre as empresas válidas do agronegócio podem se converter na solução de um Industrial Agribusiness Marketing ainda a ser desenvolvido e evoluído.

Seja pela terra, pelo clima, pelo espirito empreendedor de nossos empresários do agronegócio, este é o único segmento da economia que tem altíssimo potencial de manter níveis de crescimento acima da média do país, suportado por tendências mundiais de consumo garantidas ainda para os próximos 20, 30 ou mais anos.

Não é, portanto, exagero nenhum considerar que o agronegócio é o Brasil que dá certo, e tem tudo para continuar dando certo!

 

Marcos da Cunha Ribeiro é Consultor de Negócios, Membro do Instituto de Marketing Industrial, Executivo Professor da EMI, Professor convidado da Pós Graduação Univem Marília. 

Bibliografia :

–  Nélio Arantes –  Empresas Válidas

–  José Carlos T. Moreira – Foco do Cliente

–  Miori C. (2015). Delphi de Política: uma aplicação em desenvolvimento setorial. Revista Future, no prelo

–  Valor Setorial – Agronegócio julho 2015

–  Caderno Especial Agronegócio- Folha de São Paulo 30.07.15

–  Farina, Elizabeth. .“Organização Industrial no Agribusiness”

PS : artigo publicado na Revista de Marketing Industrial de No 69

 
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Publicado por em 13/07/2016 em Geral